sábado, 7 de agosto de 2010

Interflugs sommer akademie 2009 - Português


Tinha uma certa nostalgia no ar na última semana do Interflugs Sommer Akademie em 2009. Mesmo que eles ainda tivessem sete dias, todos, especialmente os jovens artista internacionais, aparentavam este sentimento de que o 'sonho' estava achegando ao fim. Sim, digo sonho porque ter a chance de estar em uma cidade tão inspiradora como Berlim, poder acampar coletivamente em um mesmo espaço e estar cercado por pessoas que tem tanta energia para criar, fazer obras, planos, projetos, intervenções, festas e qualquer outra coisa que queira que aconteça não é algo que você pode fazer regularmente, no seu dia-a-dia.

A Akademie, uma série de cursos, foi promovida pelo Interflugs, uma organização, não institucional, formada por estudantes e não estudantes de UDK, da Universität der Künste Berlin, uma das mais tradicionais escolas de arte na Europa. No princípio, eles se destacavam por fazer exposições com alunos que não haviam conseguido entrar na escola, devido a enorme concorrência por vagas. Com o tempo, foram ampliando suas atuações e hoje têm representatividade, até o apoio da UDK e seguem sendo a principal ponte da escola com o mundo real, fora da academia.

Tirando as pessoas que organizavam o evento, ninguém realmente sabia ao certo o que significava, exatamente o que era e qual a missão do Interflugs . Mas isso pouco importava, pois cada dia era uma dia diferente, com palestras, projeções, debates e vários workshops sobre os temas mais diversos que envolviam a arte em seus múltiplos aspectos. Uma característica marcante deste grupo é a iniciativa e ações que sempre colocam em questão o sistema educacional verticalizado; mestre – aluno.

Curiosamente, este é o aniversário de 20 anos, da não instituição, mesma idade que tem a queda do muro mais famoso da cidade. Para comemorar a data, de alguma forma, eles conseguiram ocupar o edifício de uma polêmica escola primária e nele hospedar participantes do mundo inteiro. As atividades promovidas são de graça e as oficinas têm números limitados de participantes.

No primeiro dia, havia poucas pessoas ficando no edifício que contava com uma enorme sala (um ginásio de aproximadamente 20 metros por 10) para abrigar colchonetes e uma área externa para barracas de camping. Com o passar dos dias, mais pessoas foram chegando a procura de um lugar para armar sua barraca, estacionar seu colchão, ou apenas estender um saco de dormir para garantir assim algumas semanas experimentais no verão berlinense.
Parece que cada um que chega tratava de espalhar a notícia para os seus amigos e convidar mais gente para aquela extravaganza. Havia essa crescente comunidade formada pelos amigos dos amigos que, de alguma forma, chegou lá com essa mistura de interesses nas artes, em Berlim e nesta uma espécie de aventura educacional. Havia gente de todos os continentes. mas a maioria era européia.

A ‘colônia de férias’ foi do dia 23 de julho, até 13 de agosto, exatamente 22 dias. Para aqueles que estavam envolvidos intensamente, ela parecia ter durado todo o verão, sem dúvida alguma. O dia começava com um café da manhã coletivo. Algumas pessoas, na caixinha de doações, contribuíram com euros, alguns traziam alimentos de casa, outros iriam juntos para um mercado específico para receber a famosa ‘xepa’; frutas e verduras menos vistosas que sempre sobram e são disponibilizadas gratuitamente . Todas as refeições eram preparadas coletivamente e servida durante as pausas entre as atividades.

As oficinas funcionavam baseadas em uma polícia de auto-aprendizagem. Tinham os instrutores, as pessoas que estavam propondo a idéia e que pensavam previamente sobre determinado assunto, mas não tinham a pretensão de serem 'professores', de dizer aos outros o que e como fazer. Tudo era muito aberto e mutável, de acordo com as pessoas que estavam fazendo parte do grupo e o verdadeiro desejo de construir ou não algo juntos. Autoditada, antiacadêmico, experimental e na fronteira do estado anarquista; esto é Interflugs.

Além das oficinas pré-agendadas, havia também a possibilidade de skill-share; compartilhar habilidade. Qualquer um poderia propor algo para ensinar, uma aptidão, um conhecimento, uma experiência especial para dividir com os demais. Para um artista, essa se tratava de uma possibilidade muito particular; de estar em um lugar onde ele pode aprender, ensinar, morar, discutir e, de fato, produzir obras com os equipamentos e as instalações proporcionados pela Akademie para ajudar a executar as idéias dele.

A Sommer Akademie atraiu um tipo muito peculiar de artistas que, carinhosamente, eu gostaria de chamar de o kamikaze. Esta é a verdadeira alma do artista que tem a arte como uma atitude perante a vida, que encara risco e adrenalina como combustível, como um estímulo para produzir, que topa executar projetos low-budget, ou até mesmo projetos sem verba e executam de todo jeito, com paixão e crença no que está fazendo. Conseguir que projetos sejam feitos, que idéias deixem de ser apenas idéias, fazer de forma impossível é, exatamente, o grande desafio.
Muitas das oficinas oferecidas eram finalizadas com ações ambientalizadas na cidade, em bairros movimentados de Berlim. A urbe foi utilizada como um terreno livre e fértil, onde novas regras e jogos foram criados. Aqueles participantes recriaram seu próprio entorno. Momentaneamente, eles deram novos significados aos símbolos urbanos e ampliaram suas fronteiras dentro do espaço público. Neste cenário, espontaneidade e imprevisibilidade eram os dois ingredientes inevitáveis para as performances urbanas que acabavam por encantar mais participantes.

Havia tantas oficinas e atividades interessantes acontecendo ao mesmo tempo que foi difícil se concentrar em apenas uma delas. Muitas pessoas ficavam circulando e conseguiam participar de um pouco de tudo, dando sua energia em diferentes doses, só para ter certeza que estavam mesmo gastando tempo com o que lhes era mais necessário e útil na sua trajetória de artista. Houve esse caráter interdisciplinar das oficinas e cada um ajudava naquilo que pudesse ser mais útil.

Era uma overdose informacional e criativa, muitos projetos para se envolver em tão pouco tempo. Esta não é uma queixa, muito pelo contrário, e seria tudo totalmente diferente se fosse de outra forma, mais preestabelecida, menos orgânica e catártica. Interflugs Sommer Akademie 2009 foi uma pequena materialização do projeto arquitetônico de Constant Nieuwenhuys, Nova Babilônia de 1974. Nele, as pessoas eram livres de limitações, satisfazendo suas almas criativas. Todo dia era um dia diferente, cheio de possibilidades e de encontros com o desconhecido. Se todas as células criativas tivessem a chance de conhecer, compartilhar o seu dia-a-dia, por certo, a cidade ficaria mais divertida e a vida poderia seguir de forma mais saudável e justa, com todo mundo se ajudando.