sábado, 25 de abril de 2015

Found Footage Berlin, 2009




Em 2009, encontrei um rolo de filme 35mm na antiga embaixada do Iraq na Alemanha Oriental. O lugar se tornou um ponto de perigrinação urbana e há mais de 20 anos vêm sendo saqueado e se tornado um território de exerimentações. A Alemanha não tem autonomia sobre o terreno e o Iraq não se preocupa com o casarão abandonado, de forma que de tudo já aconteceu neste cenario; um incêndio, gravações de clips musicais,  aulas de arte contemorânea, churrascos dos vizinhos, playground de crianças locais.... enfim, o local se encontra abarrotado de papeis, documentos, livros e outras centenas de objetos pertencentes a uma casa. 

Esses fotogramas são apenas início deste material que encontrei, o resto ainda está cheio de poeira. Gostaria de exlorar esse material, as imagens são fascinates, tanto as imagens nítidas quanto as imagens formadas acidentalmente, sob o efeito do tempo, do incendio e da umidade e condições do lugar em que foi encontrado. O desejo de pesquisar a fundo esse material foi aguçado, depois que o estado islâmico destruiu várias obras de arte no Iraq, agora no começo do ano.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Produção vídeo-viral / Lançamento Copa do Mundo, Rio 2013


Design de festa / Ela_é_Tropical 2013


Circo Voador / Curadora do Festival Circo Digital, 2012



Circo Voador / Curadora da Mostra Livre de Artes 2012


Circo Voador / Curadora do Festival Circo Digital 2011



TV Primavera no Institute of Contemporary Art, Londres 2008


Cinema Vertical - Revista Tauí #1





TV Primavera no Museu Murilo La Greca, Recife 2007



SPA 2005 16 mm Site-especific


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Uma conversa com Siegfried Zielinski


Entrevista com Siegfried Zielinski.
Por Eduarda Ribeiro. Realizada no dia 21 de Maio de 2010, na
Universität der Künste Berlin (UdK).




E. Ribeiro- Do que adianta trazer a arte de rua para um museu, se uma pessoa ainda pode ser presa ao fazer a sua arte na rua? Que voz está tentando calar quando isso acontece?

Zielinski- Isso não tem nada a ver com arte, isso é relativo à economia. É um problema de mercado, porque quando você coloca o grafite no museu, você quer fazer duas coisas: quer fazer daquilo um produto, criar algo que seja vendável e comprável. E lógico, muito próximo a isso, você quer aproveitar ao máximo essas “dimensões revolucionárias” para fazê-las mais suavemente consumíveis. Isso não é apenas com street art, isso é um fenômeno que pode ser observado principalmente no século XX.

O movimento Punk, por exemplo, no começo, acontecia em áreas industriais, decadentes e já nos anos 80 o Punk fazia parte do mundo da moda. No final dos anos 80, Vivienne Westwood estava fazendo uma linda moda estilo Punk e programas de tv trabalhavam com estratégias estéticas. Essas transformações acontecem mais e mais porque as pessoas querem vender moda, cinema, arte e qualquer coisa. Elas estão famintas, morrendo por algo que seja diferente das mesmas coisas que as pessoas têm todos os dias, daí, elas pegam algo e transformam em produto.

Desculpe por estar falando isso tudo, mas minha resposta vai no cerne da sua pergunta. Aqui mesmo na UdK, temos um departamento chamado wirtschafts und gesellschaftskommunikation que significa comunicação na economia e na sociedade e eles tem um área de estudos chamada estratégia, onde trabalham com esse tipo de coisa, pensam em como podem usar as teorias do situacionista Guy Debord e transformar isso num processo estratégico que dá suporte à economia consumista. Isso é exatamente o que permanece acontecendo com a arte de rua, desde Basquiat. Você dá drogas para eles e ele vão nos museus (risos).


E. Ribeiro- Para a maioria das pessoas, a Arte é algo precioso que fica em um lugar específico, longe das ruas. Ao realizarmos ações no espaço público, uma das reações mais comuns do público é confundir aquilo com publicidade, mesmo que não consiga identificar o produto. Por quê?

Zielinski- A arte na esfera pública não é possível. Ou é um 'ataque' do tipo street art, grafite ou é propaganda. Essas são as duas formas de 'arte' possíveis e por isso que é tão dificil brincar subversivamente na cidade, em um ambiente com tantos anúncios. Há muitos artistas que fazem esse tipo de experimento, em Nova Iorque e outras grandes cidades, mas é muito difícil trabalhar subversivamente com isso, pois mesmo que você faça algo totalmente diferente, as pessoas continuam achando que é propaganda, porque a propaganda já fez de tudo. É um campo muito difícil.


E. Ribeiro- Em seu livro Arqueologia da mídia, você fala sobre a relação da periferia com o centro. Observando os movimentos de gentrificação, noto que a comunidade artística, com frequência, preanunciam os bairros que sofrerão mudanças e serão destruídos pela especulação imobiliária. Quando que o dinheiro injetado em um bairro, por seus artistas emergentes, pode fazer mal àqueles moradores mais antigos?

Zielinski- A coisa mais importante quando falo da relação do centro com a periferia, se refere ao senso político, mas principalmente se refere ao indivíduo no mundo. Hoje, no mundo da arte, do jornalismo, do cinema e assim por diante, você sempre é seduzido pelo poder, para ganha-lo. Querem que você queira o poder e isso é bobagem, está errado. Nós não queremos e não precisamos atingir o poder. Pode parecer fácil, mas é extremamente difícil.

Há trinta anos, Joseph Beuys e outros ótimos artistas formavam um grupo político enorme e com uma influência considerável que também atingia o centro da sociedade. Eles, sem dúvida, traçaram várias mudanças na política, na cultura, mas, depois de oito anos, queriam ser parte do poder e começaram a entrar no governo e até assumir cargos no governo da Alemanha. Com os sociais-democratas, eles regraram a Alemanha por uns bons anos e se transformaram bastante através deste processo. É sobre isso que estou falando.

Quando eu estava no poder, era o diretor da Academia de Artes e podia fazer, mais ou menos, tudo o que eu quisesse, aprendi enormemente com um amigo que é um teórico do caos: “É mais fácil chegar na posição do poder, do que estar em uma posição de poder e não usar o poder.” No meu ponto de vista, isso é verdade, mas é lógico que isso não significa que você tem que ficar o tempo todo longe do poder. Na periferia, com frequência, a condição de vida é ruim, não só barata, mas ruim mesmo. Em um movimento social, por exemplo, temos que fazer esse movimento para o centro, mas é um movimento, não ficamos lá. Não queremos ocupar o centro, queremos passar pelo centro e é por isso que o influenciamos, através deste movimento. Claro que estamos alterando o centro, mas a gente não deve ficar lá. O centro não é o nosso lugar. Não existe solução quando a máfia Russa vem e domina uma parte de Berlim, não é a solução porque eles vão apenas substituir um poder pelo outro.

Especialmente no mundo da arte, essa é uma questão muito delicada, pois existem muitos artistas que querem ser poderosos, estarem no centro, influenciar e ficar lá com seus Rolls-Royce e suas dez casas. Eu conheço algumas pessoas assim e, para mim, isso não tem nada a ver com arte, tem a ver com mercado, consumo e muitas coisas, mas não arte.


E. Ribeiro- O Senhor poderia explicar-me o que seria exatamente a Economia dos Amigos?

Zielinski- A idéia básica desta Economia, não dos amigos, mas da Amizade, é a qualidade da relação que estou tentando salientar. Nas relações usuais, as pessoas trocam dinheiro, uma coisa pela outra. Na Economia da Amizade você troca aquilo - Eu tenho que ser muito preciso agora- aquilo que você não tem. Na Economia da Amizade, você não troca aquilo que tem, mas o que não tem. É muito fácil trocar aquilo que você tem. Por exemplo, um dos meus maiores problemas é tempo. Eu não tenho tempo, o tempo é que me tem. O que estou te dando agora é tempo, eu não tenho, mas te dou tempo. Isso é muito mais difícil do que te dar algo que eu tenho. Se eu sou rico para dar dinheiro para outras pessoas, sem problemas. Ora, isso não é um dom. Mas, se eu sou pobre e dou algo que eu não tenho, então sim, é um gesto muito generoso. Essa é a base da economia da amizade.

A Economia da Amizade é o oposto da idéia de produtividade e acúmulo que estão regrando a economia capitalista e era, também, a forma estabilizada de economia no comunismo. Quando digo estabilizada, me refiro a forma pela qual a economia funcionava na prática, socialmente na Rússia, RDA, etc. É uma estrutura muito poética, claro, mas tem a ver com fartura e desperdício, estes são termos[1] que aprendi com Georges Bataille, com os pensadores franceses que encabeçaram essas idéias. Eles não usaram essa nomenclatura, Economia da Amizade é um termo meu, mas acho que faz sentido. É a única economia confiável, pois depende em nada mais que na relação de atração e não de repulsão. Só funciona se existir uma atração, das duas parte, como uma relação pessoal e é absolutamente confiável porque não é um valor abstrato.

Recentemente, fiz uma conferência em Nápoles e eu só consegui reunir pessoas do mundo todo, baseado nesse tipo de economia. A outra alternativa seria eu ter cem mil dólares e pagar um monte de dinheiro para as pessoas, companhias aéreas, passagens, hotel etc. Eu não tenho cem mil dólares, eu tenho que confiar na Economia da Amizade e - por favor - isso não significa que o outro seja meu amigo, mas que há uma relação de atração. Significa que ele quer algo meu, eu quero algo dele é uma relação de troca na mesma altura dos olhos, igual. Uma troca no mesmo nível e isso que a amizade é.


E. Ribeiro- O crescimento da indústria criativa acontece com base neste tipo de economia?

Zielinski- Não, a maior parte da indústria criativa é estruturada em uma forma muito clássica de capitalismo. Não acredito que o uso desta prática explique o crescimento desse setor. Não há diferença na qualidade da indústria tradicional, comparada com a criativa. No passado, também existiam práticas econômicas de amizade nas indústrias tradicionais, e hoje ainda há, então isso não faz diferença.


E. Ribeiro- Sendo um estudioso da mídia, como o Senhor vê a utilização de imagens, em VJ sets, quando as pessoas não estão concentrando atenção no que está sendo passado e fazem várias coisas enquanto o vídeo é tocado?

Zielinski- Vjing não é necessariamente o fato de a pessoa estar dançando em um lugar com imagens. Vjing, para mim, é uma forma especial de trabalhar com time-based media, filme e vídeo. Você está alternando as estruturas de tempo existentes, brincando com elas, como o DJ faz na música. Isso não significa que você está arbitrariamente colocando imagens e todos dançam para todos os lados. Vjing é uma forma de arte, de criar estruturas de tempo, usando bases de tempo já existentes. Enquanto você toca algo, vai mudando os movimentos e essas estruturas de tempo.

Isso é parte da identidade midiática dos jovens de hoje. Você não vai ao cinema, assiste a um filme e, por duas horas, fica parado com uma mesma estrutura de tempo apenas. Você está brincando com tempo, está usando o seu material de vídeo, gravando e tocando. Significa que você não apenas está consumindo tempo, mas criando e interferindo nas estruturas de tempo. O vídeo foi a primeira máquina audiovisual do tempo nas mãos das pessoas do dia-a-dia, não só de profissionais. Desde que essas máquinas existem, pelos últimos trinta, quarenta anos, nós estamos permanentemente mudando o tempo.

Em 1985, escrevi um livro sobre a história do gravador de vídeo, foi a minha dissertação que acabou de ser republicada, 25 anos depois e do mesmo jeito. O livro é sobre essa mesma idéia da máquina audio-visual do tempo. O último capítulo se chama Audiovisual time machine - a cultural technique , uma técnica cultural do gravador de vídeo e significa que o tempo, objetivado em forma de filme, de vídeo, chegou nas nossas mãos, podemos brincar com ele, alterar, interferir, manipular - manipular é um termo estranho, pois sempre tem uma implicação negativa e não digo manipulação - mas podemos estruturar e reinventar o tempo, através das funções básicas desta técnica cultural; rec, rewind, forward, stop, fast forward, slow motion, still, play. Lógico que hoje temos outras opções muito mais sofisticadas e podemos, até mesmo, ir na estrutura da imagem, manipular pixels etc, mas isso é apenas o aprimoramento do que já podíamos fazer com o vídeo, há quarenta, trinta e cinco anos.


E. Ribeiro- O que o Senhor pensa sobre o uso de found footage nas práticas contemporâneas?

Zielinski- Sem o uso de found footage o mundo da arte seria muito mais pobre. Pegar algo do passado e interpretar, reinterpretar é um gesto muito importante para a Avant-Garde. O que eu não gosto muito é o que chamam hoje em dia de reenactment, ou apenas reconstruir coisas que já existiram no passado. Existe uma tendência na arte contemporânea em fazer isso e eu não gosto, é chato. Trabalhar com found footage, como no processo de vjing para mudar essas imagens, reorganizá-las e interpretá-las de um jeito diferente é, absolutamente, importante para os movimentos Avant-Garde e isso sempre foi assim. Podemos dizer que Avant-garde é nada mais do que interpretar o que tem acontecido de um jeito diferente. Avant-Garde e arqueologia, para mim, estão muito próximas uma da outra.

Os movimentos Avant-Garde não são absorvidos pelo sistema logo no início. Isso só acontece quando eles se movem na direção do sistema, não têm cuidado de manter a resistência em crescimento e se oferecem para serem sugados. Eu conheço alguns artistas que não fizeram o ‘pacto com o demônio’ e eles não estão pobres e morrendo porque não tiveram pão e vinho para beber. É um caminho difícil e que tem que ser escolhido. Os irmãos Quay, os gêmeos idênticos que fazem filme em Londres, são um ótimo exemplo disso. Nós somos muito amigos e eu os admiro muito, porque aos 63 anos eles conseguiram ser bastante verdadeiros em sua própria arte, ao longo das décadas, e não se venderam as suas almas.

E. Ribeiro- Com relação as mudanças ocorridas na forma que as pessoas trabalham, como o Senhor observa a atual proximidade entre o local de trabalho e o de lazer? Entre a casa e escritório?


Zielinski- Para mim, que sou professor, o tempo de trabalho e de lazer sempre andaram muito juntos. Quando sento para ler o jornal, de alguma forma estou trabalhando, mas também estou aproveitando do meu tempo de lazer, gosto de ler o jornal. A diferença é muito difícil de ser traçada, mas, para as pessoas do mundo cotidiano, se tornou muito precária, porque elas estão permanentemente trabalhando. Quando você passa dez horas no escritório, na frente do computador e, quando chega em casa, ainda vai checar e-mail, banco on-line, você também está trabalhando. Praticamente, não existe mais diferença.

É uma questão muito difícil, especialmente, quando você pergunta que parte do seu trabalho está sendo paga e que parte não está. Existem muitas pessoas trabalhando demais no computador e elas não estão sendo pagas, mas elas têm a impressão de que estão trabalhando. Tem um grupo enorme de pessoas que não tem emprego, mas elas sentam na frente do computador para terem a impressão de que estão trabalhando e que fazem parte do mundo. É uma questão bastante difícil e complexa.

Moro na Berlim Ocidental, em Charlottenburg, e quando estou voltando para casa de noite, gosto de observar as pessoas nas suas casas e pelas janelas vejo todas sentadas na frente dos computadores e parecem que estão trabalhando, mas o que elas estão fazendo ali? Eu não sei. Elas querem fazer parte do mundo, ser importantes, não serem negligenciadas e isso tem a ver com essa mudança entre tempo de lazer e de trabalho. Possivelmente, em vinte anos não vai mais haver essa diferença, estaremos apenas ali existindo, mas não distinguiremos entre essas duas formas de tempo; lazer ou trabalho.


[1] Lavishness e squandering esses foram os termos que o professor usou em inglês.

sábado, 7 de agosto de 2010

Interflugs sommer akademie 2009 - Português


Tinha uma certa nostalgia no ar na última semana do Interflugs Sommer Akademie em 2009. Mesmo que eles ainda tivessem sete dias, todos, especialmente os jovens artista internacionais, aparentavam este sentimento de que o 'sonho' estava achegando ao fim. Sim, digo sonho porque ter a chance de estar em uma cidade tão inspiradora como Berlim, poder acampar coletivamente em um mesmo espaço e estar cercado por pessoas que tem tanta energia para criar, fazer obras, planos, projetos, intervenções, festas e qualquer outra coisa que queira que aconteça não é algo que você pode fazer regularmente, no seu dia-a-dia.

A Akademie, uma série de cursos, foi promovida pelo Interflugs, uma organização, não institucional, formada por estudantes e não estudantes de UDK, da Universität der Künste Berlin, uma das mais tradicionais escolas de arte na Europa. No princípio, eles se destacavam por fazer exposições com alunos que não haviam conseguido entrar na escola, devido a enorme concorrência por vagas. Com o tempo, foram ampliando suas atuações e hoje têm representatividade, até o apoio da UDK e seguem sendo a principal ponte da escola com o mundo real, fora da academia.

Tirando as pessoas que organizavam o evento, ninguém realmente sabia ao certo o que significava, exatamente o que era e qual a missão do Interflugs . Mas isso pouco importava, pois cada dia era uma dia diferente, com palestras, projeções, debates e vários workshops sobre os temas mais diversos que envolviam a arte em seus múltiplos aspectos. Uma característica marcante deste grupo é a iniciativa e ações que sempre colocam em questão o sistema educacional verticalizado; mestre – aluno.

Curiosamente, este é o aniversário de 20 anos, da não instituição, mesma idade que tem a queda do muro mais famoso da cidade. Para comemorar a data, de alguma forma, eles conseguiram ocupar o edifício de uma polêmica escola primária e nele hospedar participantes do mundo inteiro. As atividades promovidas são de graça e as oficinas têm números limitados de participantes.

No primeiro dia, havia poucas pessoas ficando no edifício que contava com uma enorme sala (um ginásio de aproximadamente 20 metros por 10) para abrigar colchonetes e uma área externa para barracas de camping. Com o passar dos dias, mais pessoas foram chegando a procura de um lugar para armar sua barraca, estacionar seu colchão, ou apenas estender um saco de dormir para garantir assim algumas semanas experimentais no verão berlinense.
Parece que cada um que chega tratava de espalhar a notícia para os seus amigos e convidar mais gente para aquela extravaganza. Havia essa crescente comunidade formada pelos amigos dos amigos que, de alguma forma, chegou lá com essa mistura de interesses nas artes, em Berlim e nesta uma espécie de aventura educacional. Havia gente de todos os continentes. mas a maioria era européia.

A ‘colônia de férias’ foi do dia 23 de julho, até 13 de agosto, exatamente 22 dias. Para aqueles que estavam envolvidos intensamente, ela parecia ter durado todo o verão, sem dúvida alguma. O dia começava com um café da manhã coletivo. Algumas pessoas, na caixinha de doações, contribuíram com euros, alguns traziam alimentos de casa, outros iriam juntos para um mercado específico para receber a famosa ‘xepa’; frutas e verduras menos vistosas que sempre sobram e são disponibilizadas gratuitamente . Todas as refeições eram preparadas coletivamente e servida durante as pausas entre as atividades.

As oficinas funcionavam baseadas em uma polícia de auto-aprendizagem. Tinham os instrutores, as pessoas que estavam propondo a idéia e que pensavam previamente sobre determinado assunto, mas não tinham a pretensão de serem 'professores', de dizer aos outros o que e como fazer. Tudo era muito aberto e mutável, de acordo com as pessoas que estavam fazendo parte do grupo e o verdadeiro desejo de construir ou não algo juntos. Autoditada, antiacadêmico, experimental e na fronteira do estado anarquista; esto é Interflugs.

Além das oficinas pré-agendadas, havia também a possibilidade de skill-share; compartilhar habilidade. Qualquer um poderia propor algo para ensinar, uma aptidão, um conhecimento, uma experiência especial para dividir com os demais. Para um artista, essa se tratava de uma possibilidade muito particular; de estar em um lugar onde ele pode aprender, ensinar, morar, discutir e, de fato, produzir obras com os equipamentos e as instalações proporcionados pela Akademie para ajudar a executar as idéias dele.

A Sommer Akademie atraiu um tipo muito peculiar de artistas que, carinhosamente, eu gostaria de chamar de o kamikaze. Esta é a verdadeira alma do artista que tem a arte como uma atitude perante a vida, que encara risco e adrenalina como combustível, como um estímulo para produzir, que topa executar projetos low-budget, ou até mesmo projetos sem verba e executam de todo jeito, com paixão e crença no que está fazendo. Conseguir que projetos sejam feitos, que idéias deixem de ser apenas idéias, fazer de forma impossível é, exatamente, o grande desafio.
Muitas das oficinas oferecidas eram finalizadas com ações ambientalizadas na cidade, em bairros movimentados de Berlim. A urbe foi utilizada como um terreno livre e fértil, onde novas regras e jogos foram criados. Aqueles participantes recriaram seu próprio entorno. Momentaneamente, eles deram novos significados aos símbolos urbanos e ampliaram suas fronteiras dentro do espaço público. Neste cenário, espontaneidade e imprevisibilidade eram os dois ingredientes inevitáveis para as performances urbanas que acabavam por encantar mais participantes.

Havia tantas oficinas e atividades interessantes acontecendo ao mesmo tempo que foi difícil se concentrar em apenas uma delas. Muitas pessoas ficavam circulando e conseguiam participar de um pouco de tudo, dando sua energia em diferentes doses, só para ter certeza que estavam mesmo gastando tempo com o que lhes era mais necessário e útil na sua trajetória de artista. Houve esse caráter interdisciplinar das oficinas e cada um ajudava naquilo que pudesse ser mais útil.

Era uma overdose informacional e criativa, muitos projetos para se envolver em tão pouco tempo. Esta não é uma queixa, muito pelo contrário, e seria tudo totalmente diferente se fosse de outra forma, mais preestabelecida, menos orgânica e catártica. Interflugs Sommer Akademie 2009 foi uma pequena materialização do projeto arquitetônico de Constant Nieuwenhuys, Nova Babilônia de 1974. Nele, as pessoas eram livres de limitações, satisfazendo suas almas criativas. Todo dia era um dia diferente, cheio de possibilidades e de encontros com o desconhecido. Se todas as células criativas tivessem a chance de conhecer, compartilhar o seu dia-a-dia, por certo, a cidade ficaria mais divertida e a vida poderia seguir de forma mais saudável e justa, com todo mundo se ajudando.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Interflugs sommer akademie 2009 - New approachs into the arts


On the last week of the Interflugs’ summer academy 2009, there was such a nostalgic atmosphere. Even thou they still have one more week left, everybody, specially the international young artist, have this felling that the ‘dream’ was getting to the end. Yeah, the ‘dream’, because having a chance for been in such an inspiring city as Berlin, been camping in a communal quarter and been surrounded by people that had that much energy to make plans, projects, art pieces, run parties and make whatever thing happen is not something that you can do in a regular day-by-day basis.

They are a non-institutional organization formed by students and no students from UDK, Universität der Künste Berlin. Besides the people organizing it, nobody really knew what meant and exactly what was the ‘Interflugs’ themselves, but it didn’t really matter. Every day that was lectures, screenings, debates and some workshops on the most various different subjects involving art and the city. Somebody heard that this is their 20th anniversary birthday and somehow they got founds to rent this elementary school building and arrange a bunch of workshops there, for free.

On the very first day, that was just few people actuating based on the building itself, but everyday that was people getting there with theirs backpacks and looking for a place to park theirs tents, mattresses, suitcases and just guarantee a place to hang for the next weeks in Berlin. Seems like everybody spread that out to their friends, so there was this big community formed by friends of friends of friends that somehow got there with this mix of interests in arts, in Berlin and in a sort of adventure. They were mostly Europeans, but that was people from all the continents making part of the academy.

The academy itself was exactly just 22 days (from July 23 to August 13), but for those who were involved intensively, it seemed that it lasted for the entire summer, no wonder why. The day would start with a collective breakfast, some people contributed with couple euros, some brought some of their food, some would go together to this specific market to get free leftover food, anyways, that was always food around for the whole day. All the meals were cooked collective and would be serving on the pauses between activities.

The workshops ran in a self-learn based police. There were the instructors, the ones that proposed the idea and thought previously before on that topic, but that was no aim to be a ‘teacher’, telling others what and how to do it. Everything was very open, suitable to the people that were making part of it and what they would like to build together. Seems that this is one of the most visible characteristic on this non-institutional group; to be self-guided, no-academic, experimental and in the borderline of been anarchist.

Besides the previous scheduled workshops, there was also a skill-share possibility, where anyone could propose something to teach, a special ability to be divided with the others. For an artist this was a very unique kind of possibility; to be in a place where you can learn, you can ‘teach’, you can live, you can discourse and, in fact, produce something artistic with all the equipments and facilities the academy provided and could offer to help you to get your ideas done.


The academy attracted a very particular kind of artists, the kind of “kamikaze” ones; that are real artist on their life attitude; that take risk and adrenaline as a combustive, as a stimulus for doing things; the ones that are down for a low-budget, no-budget project and have it done anyways, with their passion and believe in what they are doing. Spontaneity and unpredictability where two ingredients for the interflugs’ public actions, intervention and performance on the urban spaces.

There were so many interesting things going on at the same time, which was kind hard to concentrate in just one of them. A lot of the people were going around and checking each one of them, just to make sure they would spend their time on the most necessary topic for their goals. There was this kind of interdisciplinary disposition from everyone and from the workshops itself. There was too much going on, too many things to be done, too many projects to get involved in such a little time. No, this is not a complain, this is just a comment to emphasize how exciting and motivating were all the activities proposed by the academy.

Interflugs’ academy 2009 was a materialization of Contant’s New Babylon city project. Where people were free of limitations, pleasing their creative souls. Everyday was a different day, full with possibilities and encounters with the unknown. How great it would be if all the creative crowd have a chance to know each other and share their day-by-day. For sure, each city have it owns ‘interflugs’ kind of people, but they still need to glue together and expand their thoughts. Life would be so much better. Long life to Interflugs and it’s believes.

PS 1: Just for the records, the name ‘interflugs’ was picked from an old airline company from the German Democratic Republic.

PS 2: Complete list of the summer schedule:
http://www.interflugs-academy.net/index.php?option=com_content&view=section&layout=blog&id=3&Itemid=5&lang=de

terça-feira, 30 de março de 2010

Exquisite Corpse

Quando um paredão, fire wall , fica virado para uma área que permite o acesso público, inúmeros artistas fazem trabalhos autorais e, com o tempo, novos elementos vão sendo adicionados e compondo uma nova imagem de forma acidental. É como a noção de uma obra de arte Exquisite Corpse; híbrida, de autoria coletiva e criada de forma aleatória onde cada artista adiciona um novo elemento que interage ou não com o resto deles, até podendo por fim a elementos já existentes e pintando algo por cima. É assim, também, com as intervenções feitas em anúncios publicitários que com a adição de elementos de grafite, tag e estêncil se transformam em algo singular e conseguem transitar para além do seu foco inicial que era a venda de um produto.




Existem também festivais de arte de rua que fazem a ponte entre os artistas e a comunidade local. Back jumps, Urban Grassroots: Panet Prozess e Urban Affairs são alguns exemplos deles e de como o grafite hoje é uma forma de expressão que não apenas se integra especificamente no local em que é produzido, mas como também, se impõe de

Intervenção visual


Independente de quem os custeiam, os paredões coloridos criam um diálogo com seu entorno, interferem na paisagem e até conseguem interagir com ela, como os que se utilizam das sombras formadas nas próprias paredes como um elemento integrante do mural. Victor Ash aqui, em dois trabalhos diferente, explora a sombra. Em Falling Graffiti Writers and trees ele brinca em nos confundir a paisagem e parece criar uma espécie de sombra que se mistura a sombras verdadeiras à noite. Em Astronaut / Cosmonaut a sombra real de um mastro com uma bandeira faz parecer que ela acabou de ser fincada ali e o seu movimento flamejante dá um certo movimento ao cosmonauta que parece levitar na gravidade . A obra em preto e branco chama bastante atenção e se for olhada fixamente por alguns segundos, devido ao seu alto contraste, tem aquele efeito ilusório de permanência na retina. Até os painéis quando são propagandas conseguem adornar a cidade e se comunicar com o cidadão, antes mesmo de evidenciar quem seria o seu “patrocinador”. Com a falta do domínio da língua e do repertório simbólico da cultura alemã, muitas vezes não consigo decifrar se um mural seria ou não uma propaganda. Na figura de número sete, apresento um mural encomendado pelo Mercury Hotel aos coletivo de artistas latinos Interbrigadas, a obra cobre uma área de 600 m2 e fica no caminho da linha dos metros U1 e U2. Os artistas foram direcionados para comporem algo caótico que juntasse todos os tempos e elementos referentes a Berlim, para que dessa forma as pessoas no metro pudessem ser surpreendidas a cada dia com algo que não haviam percebido antes. Este caminho, a propósito, é um dos mais explorados para essa prática. Mesmo em áreas mais afastadas do centro, nos subúrbios mais tradicionais, como por exemplo em Köpenick, é possível ver propagandas com essa mesma estética de rua.


Fire walls





Quando Berlim se estabiliza como a capital da Alemanha, acontece um boom na cidade e nos seus ‘novos’ bairros re-surgem mais estabilizados e estruturados também. É como se a geração dos Squatters tivesse ‘largado’ rebeldia de lado, conseguido amadurecer e prosperar como profissionais liberais que desenvolvem atividades criativas, pagam suas contas e também gostam e podem consumir. Um bom exemplo pode ser dado como o fato de Prenzlauer Berg ter a maior taxa de natalidade de toda a Europa.


Em Berlim, cada bairro tem a sua própria autonomia, cultura e suas peculiaridades. Por parte dos moradores, existe um pensamento bastante difundido em “ajudar o bairro a melhorar”, uma consciência em consumir nos estabelecimentos locais, em enfeitar jardins, paredes e frequentar praças e parques das vizinhanças as quais pertencem. Adornar o espaço público é uma característica marcante em ambos os lados da cidade. Em Novembro de 2009, a revista Piauí publicou um artigo no qual Tim Apmann dá um depoimento sobre sua vida na Alemanha Oriental dos anos 70 e trás um fato que pode ajudar um pouco a explicar a cultura dos murais, dos painéis nas laterais e fachadas dos prédios e a incorporação do grafite pela cidade: “Por lei, todo prédio novo era obrigado a alocar 3% de seu orçamento para a decoração de suas paredes externas. Como minha mãe tinha estudado pintura mural na escola de Belas-Artes, coube a ela dedicar-se a essa tarefa. Segundo a orientação do regime, a arte mural deveria exprimir a felicidade das pessoas que tinham a sorte de viver na parte socialista da Alemanha. Poderia também retratar a miséria dos que viviam na parte capitalista da Alemanha - cujo governo era manipulado pelos nazistas e pelos imperialistas americanos - onde não existia o direito ao emprego, à educação ou à habitação. Como eles sobreviviam, só Deus sabia! .”


Essa cultura, de certa forma, permanece e colore a cidade com murais de variados temas, mas sem a necessidade de uma lei. Por vezes, o estabelecimento comercial do térreo banca os custos e decide o que será pintado, como esse jardim da infância, no bairro de Kreuzberge, chamada de Caverna dos leões. As subprefeituras distritais também comissionam algumas produções, porém, o mais comum são os moradores se reunirem, dividirem os custos e decidirem por algo que lhes agrade e geralmente que passe uma mensagem. O tema da guerra é um dos mais abordados, mas as simples decorações com paisagem e natureza também se encontra em prédios com moradores mais conservadores.


"Berlin ist arm, aber sexy"


Depois de guerras, muro e decadência, parece que Berlim se encontrou. Na verdade, ela se reinventou e criou um estilo bastante próprio, inovador e que tem como base a sua eterna transformação. Essa inconstância não diz respeito apenas aos espaços físicos e o eterno canteiro de obra que a cidade é, mas em relação às suas próprias pessoas. Em 2005, a UNESCO elegeu Berlim como a Cidade do Design, considerando memoráveis os avanços sociais, econômicos e culturais promovidos, direta ou indiretamente, pela indústria do desing. Esse título não diz respeito unicamente ao desing, se refere ao emaranhado bens e serviços que fazem parte do que se tem chamado hoje de Economia Criativa e que movimenta vários profissionais liberais ciclicamente em várias partes do mundo.


Parece que essa tal ‘autenticidade’ Beliner reside no tempo e no espaço, todos parecem ter esses dois elementos de sobra por aqui. O custo de vida é um dos mais baixos da Europa e isso atrai muitos artistas que precisam justamente destes dois ingredientes para produzir. As pessoas se preocupam bastante com a qualidade de vida e isso diz respeito, também, em desenvolver atividades prazerosas e de se realizar profissionalmente. Por esse motivo, arranjam um emprego qualquer para pagar as contas e o resto do tempo fica livre para desenvolver seu próprio trabalho (arte) e se realizar pessoalmente neste âmbito, mesmo que não tenha um reconhecimento financeiro.


Em 2003, em uma entrevista coletiva, o então Prefeito Klaus Wowereit disse: "Berlin ist arm, aber sexy", recentemente, o governo lançou uma campanha com o mesmo slogan: Pobre, mas sexy. Essa frase traduz de forma muito simples a atmosfera da cidade; no geral, todos têm poder aquisitivo muito inferior aos de outras cidades da Alemanha, mas são pessoas sexys, não exatamente no sentido literal, mas são pessoas atraentes, interessantes, divertidas, criativas e autênticas.

Berlinenses da gema




Aqui segue uma foto ilustrativa do site do ACUD. Na parte superior, encontram-se as abas referentes a cada atividade desenvolvida pelo grupo, logo abaixo, segue o poster de uma série de concertos programados para esta temporada. Chama a atenção o enfoque dado ao evento; “as bandas verdadeiramente berlinenses” e a atualidade da cena, “novas bandas e público”. Com um pouco mais de tempo na cidade, dá para perceber uma constante concorrência entre o que seria ‘realmente’ Berliner e aquilo que se diz ser e não é. É como se todos que estivessem aqui há, pelo menos 15 anos, quisesse ter um ‘crachá’, um uniforme que o diferenciasse e provasse que ele é morador local autêntico e, por isso, ter mais credibilidade no que diz.


É difícil tentar classificar as coisas nesse patamar de ‘autenticidade’. Principalmente no contexto berlinense, onde a parte Leste, totalmente devastada e abandona, teve que ser extremamente aberta àqueles que nela se dispusessem a trabalhar e a fazê-la crescer. Essas pessoas vieram de todas cidades da Alemanha, de países do antigo bloco socialista e vários outros da Europa.

Outro fato interessante e que contribuiu para a formação do perfil da cidade e o seu espírito libertário de hoje, é que a Berlim Ocidental atraiu muitos jovens de outras cidades alemãs do Ocidente por não ter serviço militar obrigatório. Percebe-se então que a ‘autenticidade’ está muito mais ligada em estar em sincronia com a cidade; em desenvolver atividades que consigam se encaixar em seus espaços improvisados, em conseguir criar suas próprias redes para trabalhar e sobreviver, do que o fato de ter nascido aqui ou estar aqui há mais de 15 anos.

sexta-feira, 26 de março de 2010

PassadoS e Futuro






Berlim vive hoje entre dois projetos de futuro. O primeiro segue a trajetória de todas as outras grandes metrópoles europeias, em que a cidade de torna um museu ao ar livre, um grande centro de entretenimento guiado pelas regras da indústria do turismo e do mercado, principalmente as do mercado imobiliário. Este expulsa seus moradores locais e, consequentemente, faz com que bens e serviços sejam explorados sem qualquer controle. O Realstate não simplesmente expulsa os moradores locais, como também vai empurrando a periferia para lugares cada vez mais afastados do centro e vai invadindo-a, de forma a transformá-la em novos centros.


O Segundo projeto de futuro fica por conta da história singular desta cidade, marcada por dois passados antagônicos, totalmente diferentes e que se complementam tão bem. Foram, justamente, as pessoas da Alemanha Ocidental que fizeram os primeiros Squats, antes mesmo do muro cair. Na década de 70, em Frankfurt, moradores protestaram contra um projeto do governo de renovar antigos prédios residenciais e transformar em escritórios comerciais. As pessoas do Leste tinham moradia, emprego e educação garantida, mas os espaços para as atividades culturais locais eram regulados pela Stasi (polícia secreta da Alemanha Oriental), daí a necessidade de espaços para criação livre e para o desenvolvimento da subcultura que ia contra o governo da República Democrática Alemã.

Então, logo após a queda do muro, quando anarquistas, punks, artistas e afins correram para ocupar os lugares abandonados da Berlim Oriental, nos bairros de Prenzlauer Berg, Mitte e Friedrichshain, ouve uma fusão entre pessoas que carregavam o seu passado Oriental e as que carregavam um Ocidental. Provavelmente, esse grupo foi o que mais rápido teve que se adaptar às diferenças culturais e que mais cedo também conseguiu superá-las. A herança comunista marcou a cidade e seus moradores com uma forma bastante diferente de agir no espaço público e na esfera social e os Squats, com a sua proposta de vida alternativa e de resistência, casava muito bem com as ideologias jovens tanto da jovem Berlim Oriental, quanto da Ocidental. É esse mix, justamente, essa comunhão de atitudes que se mostra como resistência e dá a esperança de Berlim conseguir trilhar um f
uturo menos previsível e mais criativo que as outras capitais europeias.


Muita coisa mudou desde a queda do muro, a maioria dos Squats se acabou e teve moradores expulsos de seus prédios. Alguns desses espaços resistiram, tiveram uma maior mobilização, se organizaram e conseguiram juntar dinheiro suficiente para comprar as construções as quais habitavam. Em 20 anos, Prenzlauer Berg e Mitte conseguiram se transformar nos bairros da moda, e consequentemente, bem mais caros do que eram. Hoje ainda existem prédios chamados de Squats em Berlim, mas em todos eles existem acordos entre os proprietários e os moradores, de forma que existe um aluguel pago mensalmente,
mesmo que ele seja bastante reduzido e fora dos valores de mercado.


A partir do momento que os Squatters conseguem comprar a sua moradia, cada um vai explorá-la da maneira que mais lhe for conveniente. Ainda seguindo a lógica do sistema comunal, ateliês, bares, cafés, lojas, livrarias, restaurantes, galerias e demais atividades exercidas pelos seus moradores convivem harmonicamente e se ajudam mutuamente. Esse tipo de contexto faz muita diferença para a cidade, mesmo tendo sido incorporados pelo sistema, a história dos Squats e o seu compromisso com a cultura local permanece bastante presente.


Uma coisa curiosa de se observar, é a quantidade de lugares com noites de Open Mic ou também chamadas Jam Session: Performers e músicos (anônimos ou não) podem subir no palco, apresentar seu talento, se expor de forma despretensiosa e ampliar sua rede de contatos e parcerias. Muitos desses lugares foram Squats no passado, como por exemplo o ACUD Session Café que fica localizado no complexo cultural ACUD, em Mitte. As segundas, terças e quartas são dedicadas às experimentações musicais. No ACUD existe ainda um cinema, um teatro, uma cantina (biergarten), uma galleria e um club. Eram dois, mas o Mädchenclub fechou no final de 2009, depois de 13 anos, por cortes da subprefeitura de Mitte.

Relatório Berlim



Em 2009, foi o vigésimo aniversário da queda do muro que separava as duas Alemanhas; Oriental e Ocidental. Na capital Alemã, por toda parte aconteceram seminários, palestras, concertos e eventos que abordavam a reunificação e as mudanças desde então. Como Berlim consegue digerir dois passados tão diferentes e seguir sua própria história? Esta parece ser a questão que mais intriga seus moradores, principalmente, aqueles que adotaram a cidade, advindo de outros países. No campo das artes, o diálogo é travado a cerca do constante processo de transformação pelo qual a cidade passa e para onde essas transformações estariam levando Berlim.


A área fronteiriça entre o lado Oeste e Leste, onde ficava os postos de controle de entrada e saída de pessoas e que se caracterizava por ser um grande descampado, hoje é ocupada por grandes centros de compras, negócios e representa, ao máximo, a cultura ocidental americanizada, com todas as suas grandes corporações. Na parte Oriental, logo após a queda do muro, e já até mesmo antes dela, um mix de artistas, ativistas e simplesmente sem-teto ocupavam construções e espaços industriais abandonados. No final da década de 80, o movimento Punk já havia se solidificado e prédios bombardeados, em ruínas, serviam de palco para grupos musicais, companhias de teatros, espetáculos de Ópera Rock e para tantas outras atividades culturais que de alguma forma se autofinanciavam e se mantinham a muito baixo custo.


Nas décadas de 70 e 80 projetos alternativos de vida foram iniciados em várias cidades Alemãs, principalmente nas cidades do Oeste. A princípio, esses espaços apenas protestavam contra a falta de moradia acessível e o direito à habitação, mas o que começou como um protesto político, acabou se tornando uma demonstração de mobilização social, civil e exemplo de que essas alternativas podem dar certo como organizações culturais e agentes de conscientização política. O binômio trabalho e moradia habitava um só lugar, uma só filosofia de vida, um mesmo projeto que iria de encontro às regras de mercado e tentaria ser uma alternativa ao sistema em vigor e se tornaria foco de resistência. Esses lugares foram batizados de Squats.


Há vários motivos para tentar explicar historicamente o porquê de Berlim ter se tornado uma cidade tão singular e ser referência para as expressões artísticas das ruas, refiro-me não só ao grafite, ao tag e ao estêncil, mas a todo tipo de ação que se utiliza da cidade como um playground e faz do cidadão um ser ativo, participante, um jogador. A estética contemporânea tão marcante das ruas de Berlim está ligada não somente ao seu passado, mas principalmente ao seu futuro. Qual o amanhã que Berlim quer? E o que ela não quer?